sexta-feira, 30 de agosto de 2019


A luta contra as repressões da psiquiatria arcaica: as Comunidades Terapêuticas e a Antipsiquiatria.

Como foi trabalhado na postagem anterior “Estigmatização da loucura no aspecto histórico social” a percepção social que orientam a prática de lidar com os doentes mentais, os ditos loucos, se distinguiram, mesmo que em poucos aspectos, nos diferentes períodos históricos. Iremos trabalhar nesta postagem algumas experiências teóricos-assistenciais importantes que foram desenvolvidas na Reforma Psiquiátrica, a Antipsiquiatria, e as Comunidades Terapêuticas.
Após a Segunda Guerra Mundial, viu-se a necessidade de um projeto de reforma psiquiátrica contemporânea, em forma crítica às práticas em instituições asilares. Questionava-se o papel dos asilos e as técnicas psiquiátricas. Na década de 1940, Maxwell Jones delimita o termo Comunidade Terapêutica, que caracterizou reformas no âmbito psiquiátrico destacado por métodos administrativos, democráticos e coletivos. A institucionalização dos pacientes dos hospitais psiquiátricos era comparada, negativamente, às pessoas em campos de concentração na Europa. Uma das propostas da Comunidade Terapêutica foi a terapia ocupacional ou terapêutica ativa, instituída por Hermann Simon na década de 1920, e o método teve efetivação, principalmente, em pacientes considerados crônicos (AMARANTE, 1998).
            Segundo Amarante (1998), Maxwell Jones foi o autor e operador mais relevante dentro da Comunidade Terapêutica, sua ideia era que a função terapêutica fosse dos técnicos, pacientes, famílias e comunidade. Para isso, ele fez com que os pacientes tivessem grupos de discussão e atividades, e fazia com que esses se envolvessem com suas terapias e com as dos demais. Na Comunidade Terapêutica tratava-se o grupo como um corpo psicológico unificado. Essa ideia era para desmistificar a segregação antes trazida pela psiquiatria e o sistema hospitalar, e para não segregar técnicos de pacientes, havia uma reunião diária com todos ali presentes. Trouxe também a ideia de “aprendizagem ao vivo”, que consiste em poder agir assim que os conflitos surgem em situações reais e presentes (JONES, 1972 apud AMARANTE, 1998).
A antipsiquiatria surgiu na década de 1960, formada por um conjunto de psiquiatras, caracterizou-se como um movimento de resistência contra os hospitais psiquiátricos e sua demasiada expansão. Se fez uma crítica às tentativas de adequação dos comportamentos, na qual, o louco deveria ser contido, acarretando uma restrição da criatividade e da espontaneidade. Para além, preza não somente a luta contra as repressões dentro das instituições psiquiátricas, mas também toda a ação psico-tecnológica fora dela. Nesse sentido, compreende-se as ações psico-tecnológicas como a teoria que orienta as práticas psiquiátricas, como a psicanálise, a psicologia, terapias alternativas, os meios de castigos e recompensas utilizados em tribunais, prisões, sendo entendida como inadequada, já que se trata de pessoas e não de coisas para utilizar tecnologia (COOPER,1978). 
            Há críticas em relação ao poder atribuído aos médicos psiquiatras em delimitar o que pode ser considerado normal e patológico e sua ideologia de salvação dos que estão perdidos. Destaca-se o uso de drogas psicotrópicas exageradamente e as vantagens para a burguesia da manutenção desses comportamentos. Assim, há o enfoque no indivíduo e seus comportamentos individuais isoladas do mundo social, como se os problemas pessoais fossem desconectados de influências políticas ou a possibilidade de serem mantidos para benefícios dessa. Nesse sentido, um bom exemplo é a discordância com a psicanálise ortodoxa, que mantém a família como controlo social, no modelo mãe-pai-filho, o édipo de forma generalizada em todas as culturas e ocultando e alimentando cada vez mais o alienismo da realidade (COOPER,1978).
Lidando com esse assunto, Amarante (1998) pontua que a loucura é um fato social e político que visa a segregação para que não haja um desequilíbrio na ordem social. Nega-se às experiências individuais, trabalha a imagem do louco como perigoso e ao mesmo tempo o silencia. Não se trata assim, de um estado patológico ou da procura de tratamento. Denuncia também a concepção da loucura como entre os homens e não dentro deles, critica as instituições asilares como isoladores da sociedade e propõe um tratamento terapêutico centrado no discurso e nas experiências individuais do louco.
A fim de ilustrações sobre a antipsiquiatria, deixamos um vídeo que traz de forma didática a temática: https://www.youtube.com/watch?v=Ruy3-ZJMtMw
Conclui-se que esses momentos, embora tendo origens semelhantes, se diferenciam. As ações que visam as Comunidades Terapêuticas acreditam nas instituições psiquiátricas como um local central de tratamento e no saber psiquiátrico como uma teoria capaz de realizar o tratamento. Já as práticas da Antipsiquiatria ou da não-psiquiatria, visam a ruptura deste modelo de tratamento, realizando críticas ao saberes teóricos e práticos da psiquiatria, além de preocupar-se com esse conjunto de relações entre teoria/prática/instituição, conceituando-os como incapazes de lidar com a complexidade do fenômeno que se tem como objeto ou de negarem sua complexidade (AMARANTE, 1998).

Referencias

AMARANTE, P. coord. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil [online]. In: _______. Revisitando os paradigmas do saber psiquiátrico: tecendo o percurso do movimento da reforma psiquiátrica. 2nd ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. Criança, mulher e saúde collection. ISBN 978-85-7541-335-7. Disponível em SciELO Books .

COOPER, David; RAMOS, Vanda. A invenção da não-psiquiatria. In: ______. A linguagem da loucura. São Paulo: Martins Fontes, 1978. p. 115 - 150

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

    Estigmatização da loucura no aspecto histórico social

    No século XVIII na Alemanha e Inglaterra, houve a criação dos Hospitais Gerais, no qual, comportava os considerados imorais, blasfemadores e de forma geral, os que eram considerados sem razão ou juízo. Nesse período teve pouco desenvolvimento de conhecimentos sobre a natureza da, atualmente, chamada loucura, suas distinções e meios de tratamento. Deste modo, há uma condenação do fenômeno sem conhecimento sobre ele. Os internamentos eram apoiados em termos técnicos da jurisprudência e da medicina, dentre os mais frequentes nos livros de internamento, estão furioso e furor. Termos utilizados para classificar todos os crimes, todas as desordens (de conduta, do coração, costume e espírito), assim, poderiam internar alguém apenas dizendo que estava furioso, sem especificar se tratava de um crime ou de um louco. Assim, essas pessoas eram consideradas como prisioneiros (FOUCAULT, 1978).
    Em Paris, os alienados, pobres que perderam a razão e considerados tratáveis, poderiam ser encaminhados para o Hotel-Dieu, onde aplicavam-se tratamentos então corriqueiros: sangrias, purgações, vesicatórios, banhos e uma atribuição médica benéfica ao frescor e ar puro. Contudo, eram agrupados em espaços pequenos, sendo contraditórios nos tratamentos. Em outros locais do mundo, como em Londres a partir do século XIII, houve também a criação de hospitais semelhantes, como o Bethleme, tratando esses indivíduos da mesma forma, aglomerado-os, amarrado-os por correntes de ferro e em alguns casos, aplicavam medicamentos uma vez ao ano. Portanto, os Hospitais Gerais objetivavam mais um nível de aprisionar do que tratar, livrando a sociedade dos desviantes, não só os que carregavam uma diferença em nível biológico, mas também os demais desviantes sociais como pobres e mendigos (FOUCAULT, 1978).
Figura 1 - Hotel-Dieu

Paris, século XXI https://images.app.goo.gl/AJEjN6zMBZxhaY1ZA

A quantidade de dias a serem passados nesses hospitais, era delimitada de acordo com uma lei moral, como uma forma de detenção, antes de existir os internamentos. Os internamentos eram um meio de corrigir estes desvios sociais, sendo o período determinado não em quantidade fixa, mas até que esses se arrependam, ou melhor, se corrijam. Assim, era muito comum a presença de idiotas e insanos nas prisões. Mais precisamente na Inglaterra nos séculos XVIII e XIX, estes eram confinados junto com os prisioneiros, já que era a única forma de segregá-los para que não atrapalhassem a ordem social. Nesses locais, muitos loucos eram usados como diversão cruel dos demais prisioneiros (FOUCAULT, 1978).
Ao desenrolar do século XIX, com os conhecimentos da medicina, houve um destaque maior para a classificação destes indivíduos como doentes mentais, ocorrendo como no Hotel Dieu e no Bathleem, no qual estavam os insanos e lunáticos, diferentemente dos demais hospitais gerais, casas de correção ou pisão na qual os doentes mentais eram unificados aos criminosos e os não concordantes sociais. Dentre as ocorrências nos registros de internamento é possível identificar os iluminados e visionários, sendo os que classificamos hoje como alucinados, que imaginariam aparições irreais; os débeis e os que carregavam alguma demências orgânica ou senil eram identificados como imbecis, além de entrar nesta classificação algumas formas de delírios (FOUCAULT, 1978).
Em um retorno ao século XVII, embora houve uma tendência em acreditar que o louco sempre carregou a imagem de sua doença como acabamos de ver, é possível identificar neste século, que antes do reconhecimento do status do positivismo médico, o louco carregava na Idade Média uma densidade individual. Ele teria suas próprias singularidades de papéis e presença nas vidas cotidianas. Algo que se reorganizou no decorrer da Renascença. Reconhece-se um papel importante do Oriente e do Mundo Árabe neste aspecto, já que no século VII já haviam hospitais reservados aos loucos em Fez e em Bagdá por volta do fim do século XII. Suas práticas que redigiram a cura da alma envolviam músicas, danças, espetáculos e audição de narrativas, sendo interrompidas quando os médicos decidissem que estava bem-sucedida. Não sendo por acaso, que no começo do século XV na Espanha que se tem a fundação dos primeiros hospitais para insanos e uma maior disseminação na construção destes locais nas demais partes do mundo. Contudo, reservava-se alas para tais. Somente no começo do século XV que estes indivíduos começam a ser inseridos em Bethlemm (FOUCAULT, 1978).
Assim, identifica-se que na Renascença os loucos começam a ser segregados, foram isolados do mundo social sem um estatuto médico. Característica deste período é a negação da individualidade dos loucos, os quais não eram mais conhecidos por suas particularidades, mas indiferenciados, sendo os termos: doentes venéreos, devassos, libertinos, loucos, criminosos e homossexuais usados como sinônimos. Portanto, evoca-se um regime de prisão, com um tratamento duro para com esse, utilizando varas para castigá-los e manter a ordem, em nível de acertá-los uma vez ou até sua morte. E, mesmo quando relatados melhoras, eles não eram libertos. Envolve assim, um nível de consciência sobre o louco, algo para além da evolução das construções das instituições (FOUCAULT, 1978).
Apesar do médico ser responsável por definir se o indivíduo é ou não louco, a internação poderia ser solicitada pela família. Parentes com maior proximidade tinham maior direito de queixa para solicitar internamente. Mesmo com essa regra, aconteciam casos de vizinhos ou pessoas mais distantes da família conseguir a solicitação de internação, ainda sem consentimento da família. Por conta desses fatores, as cartas de solicitação de internação foram limitadas em 1784, e a internação só ocorreria após procedimentos jurídicos, porém não, necessariamente, havia passagem pelo médico. Como consequência de internações sem análises médicas, no século XIX se era questionado sobre a capacidade dos médicos para diagnosticar alienação e loucura (FOUCAULT, 1978).
A medicina trouxe dois aspectos: o sujeito de direito que evidencia uma análise filosófica e jurídica, em relação à capacidade de realizar obrigações; e o normal e patológico, em seus julgamentos de louco ou não louco para questões de internação. A partir do século XVIII, começa-se a considerar o sujeito de direito juntamente ao indivíduo social, e sua internação passa ser visto como sujeito louco e incapaz simultaneamente. No século XIX a medicina positivista vem à tona, em que a alienação deve compor a loucura do homem social. O louco deixa a classificação de ter se afastado da sociedade pela doença causar a situação, e a perspectiva de internação desse é por conta da classificação cultural defini-lo em aspectos diferentes, e passa ser analisado como sujeito de direito e indivíduo social para avaliar internação (FOUCAULT, 1978).
Conclui-se que o fim do Período Renascentista, não só traz uma mudança nas instituições, mas também sobre a perspectiva da loucura. Por meio de influências da ciência árabe, os loucos eram incluídos em instalações específicas para esses, aproximava-se de hospitais e eram tratados parcialmente como doentes. O século XVII traz a experiência da loucura com visão moral e social. Isso não se classifica de forma positiva ou negativa, pois ainda que se enfatizava a nova representação da experiência da loucura, não se anula os preconceitos externos. O reconhecimento da loucura só poderia ser dado pela medicina. O médico que tinha o domínio adequado para julgar a capacidade da doença e qual o grau da loucura do indivíduo. A loucura era identificada através da fala, ações, sentimentos, história de vida a partir da infância e alguns fatores físicos demonstrados, como por exemplo a temperatura corporal. Apesar do médico ter o papel de diagnosticar o indivíduo como louco ou não, a internação poderia ser realizada por terceiros (FOUCAULT, 1978).
O texto trouxe o aspecto histórico da constituição e do reconhecimento da loucura, e mostrou como a classificação referente a psicopatologia era errônea porque rotulavam todos como os patológicos e não patológicos (exemplo: homossexuais) como loucos. Também da falta de discriminação para com criminosos, loucos, pobres etc., porque permaneciam em uma mesma ala e acabavam por receber um mesmo julgamento: “prisioneiros”. Todo este tratamento desumano era encoberto e apoiado pelas instituições governamentais e eram alimentadas no imaginário social apenas um modelo da subjetividade humana, negando assim, as diversas formas de se expressar, ou melhor, negando a diversidade.

Referência
FOUCAULT, M. História da loucura na Idade Clássica (J. T. C. Netto, Trad.). São Paulo: Editora Perspectiva, 1978. (Trabalho original publicado em 1972).

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

Apresentação do Bloggay

O Psico Bloggays trata-se de um meio de compartilhar informações, acerca de assuntos sobre saúde mental voltado para a área de Psicologia, como por exemplo o contexto histórico da psiquiatria e assuntos relacionados. 
 https://terapiaslgbt.files.wordpress.com/2018/09/logo-centro-clc3adnica-terapia-particular-individual-a-lgbt-gay-lesbiana-homosexual-en-guayaquil-quito-ecuador-sin-deshomosexualizacic3b3n-o-reconversic3b3n-cuenca.jpg?w=413

Esse está sendo produzido dentro da disciplina de Psicopatologia Geral II da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul campus Paranaíba, no qual serão realizadas publicações a cada 15 dias, sendo cada publicação uma resenha de livros, artigos científicos, noticias, entre outros. Prioriza-se a disseminação de informações de forma sucinta e acessível a todos os interessados no assunto.

Os criadores são, Izabella de Araújo Menardi de 19 anos de Ilha Solteira - SP, e Jhonatan Saldanha do Vale de 19 anos de Porto Primavera - SP.