sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Reforma Psiquiátrica Democrática Italiana e suas influências.
            Nesse post, iremos apresentar e discutir a perspectiva da Psiquiatria na Itália. Traremos suas características, contextualização histórica, bem como as influências de outras reformas psiquiátricas realizadas em outros locais. Assim, nos aprofundaremos na Psiquiatria Democrática e os fundamentos que impulsionaram o seu desenvolvimento.
            Franco Basaglia, juntamente com Antonio Slavich e outros jovens psiquiatras deram iniciativa a reforma hospitalar psiquiátrica, denominada, Psiquiatria Democrática. Em 1960 que foi iniciado as discussões e aplicações das ideias elaboradas. Mais precisamente em Gorizia, uma pequena cidade da Itália, na qual havia hospitais direcionados a saúde mental. Visitando este local, Basaglia sentiu-se entrando em uma prisão, comparando o espaço aos campos de concentração (AMARANTE, 2007). 
Nesse sentido, caracteriza esse período como contraditório entre o que é verbalizado e o que é aplicado de fato na prática nas instituições. Visto que, esses espaços existiam, embora já houvesse a negação da institucionalização como um modelo válido de tratamento. A doença era individualizada, conceituada fora do social e curada. Para além, a ação terapêutica era executa, mas também negada. Assim, para ele, a própria existência da instituição já seria um meio de controlar os sujeitos, envolvendo um processo de mortificação e des-historicização (AMARANTE, 2007).
Nos primeiros anos, as ações de Basaglia eram baseadas na Comunidade Terapêutica e na Psicoterapia Institucional. Entretanto, nos próximos anos, não compreendia mais esses espaços como um lugar efetivo de tratamento. Entendia que mesmo com novas medidas administrativas ou de humanização não poderia-se chegar a uma cidadania adequada aos doentes mentais, postulando uma nova proposta de mudança e a negação da psiquiatria enquanto ideologia (AMARANTE, 2007).
Suas práticas foram totalmente novas, prezava-se pelo combate não só às instituições manicomiais, mas também todo o conjunto de saberes que orientavam a prática nesses. Os aparatos jurídicos, legislativos e todo o social que fundamentam a isolação e a patologização da diversidade humana também foram atacados. Após a realização das ações direcionadas em Gorizia, ele e grande parte de sua equipe atuou no fechamento de instituições de cunho psiquiátrico em Trieste. Criou-se outros dispositivos de tratamento, ou melhor, deu origem a novas estratégias substitutivas que dariam um fim às instituições psiquiátricas clássicas (AMARANTE, 2007).
Voltando para as diferenças entre Psiquiatria Democrática e a Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia Institucional, o autor pontua que essas duas últimas foram utilizadas por Basaglia, apenas como um meio de desestruturação das atividades manicomiais. Porém, não como uma finalidade a ser cumprida, mas apenas uma parte do processo. Algumas influências desses dois modelos podem ser vistas no que diz respeito às assembleias e demais meios de comunicação entre os pacientes, familiares, técnicos, dentre outros, sendo uma característica da Comunidade Terapêutica. E também na utilização dos Centros de Saúde Mental (CSM), semelhantes a Psicoterapia de Setor de origem francesa. A diferença nessa última, centra-se na integralidade do tratamento, não como um espaço complementar igual na França, mas centros de base territorial com a finalidade de desconstrução dos preconceitos da sociedade para com as pessoas com sofrimento mental (AMARANTE, 2007).
Conclui-se assim, que a proposta italiana foi revolucionária em comparação com as outras propostas apresentadas em posts anteriores. A desinstitucionalização não foi adotada como uma mera desospitalização como na Psiquiatria Preventiva, ela prezava pelo fechamento dessas instituições. Adotou-se uma perspectiva da doença em seu entendimento global, ou seja, compreendendo-a de forma complexa, presente nos corpos e para além, presente no social (AMARANTE, 2007). A Psiquiatria Democrática Italiana foi um movimento político em relação aos métodos manicomiais. O manicômio ressaltou a exclusão advinda das diferenças entre indivíduos, que transpareceu um caráter desumano perante a instituição. Apesar desse fator, a Psiquiatria Democrática Italiana visava mais do que humanizar as práticas manicomiais, mas também possibilitar denúncias aos métodos institucionais utilizados, e impossibilitar a restrição de denúncias. Como início, seria necessário mudar a perspectiva social para com “o louco”, que os colocavam em situações restritas e sem possibilidade de falar sobre si mesmo, mudando também as falas sociais que levavam ao tratamento manicomial. (AMARANTE, 1998)
Deixamos, como complemento aos interessados no assunto, uma dica de filme: “Dá pra Fazer”. Um filme italiano sobre a reforma psiquiátrica, retrata um pouco da história das cooperativas que surgiram na Itália.

REFERÊNCIA

AMARANTE, P. coord. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil [online]. In: _______. Revisitando os paradigmas do saber psiquiátrico: tecendo o percurso do movimento da reforma psiquiátrica. 2nd ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. Criança, mulher e saúde collection. ISBN 978-85-7541-335-7. Disponível em SciELO Books.
AMARANTE, Paulo. Das psiquiatrias reformadas às rupturas com a psiquiatria. In: _____. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2007. p. 37 - 59.


sexta-feira, 13 de setembro de 2019


Reforma psiquiátrica: experiência francesa da Psiquiatria de Setor e da Psiquiatria Preventiva

Hoje trabalharemos em cima de outros dois momentos importantes ao que se refere a luta por melhorias na relação entre os profissionais da saúde e no tratamento das doenças mentais. Trataremos à Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Preventiva, sendo ambas, de acordo com Amarante (2007), caracterizadas por acreditar que o modelo hospitalar, como meio de tratamento estava esgotado, não tendo eficiência. Suas propostas objetivam a criação de outros espaços para tal. A Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Preventiva também são conhecidas como Saúde Mental Comunitária. Nos finais dos anos 1950 e início de 1960, as deficiências oriundas da Psicoterapia Institucional tornou-se evidente, ao modo que notava-se a necessidade de realizar atividades para além das instituições, ou melhor, fora delas.
Psiquiatria de Setor, criou-se os Centros de Saúde Mental (CSM), instalados em diferentes regiões da França e em diversos setores administrativos. Nesses, preocupava-se em acompanhar o sujeito mesmo após a sua alta, a fim de evitar sua reinternação e até, a internação de novos casos. Assim, se subdividiu o espaço hospitalar em diversos setores, sendo que em cada um teria uma equipe de enfermaria responsável e no setor, internaria-se somente indivíduos dessa região. Ao ser efetivado a alta do indivíduo, ele seria acompanhado pelo CSM desse mesmo setor, o que proporciona o trabalho em equipe multiprofissional, aumento na probabilidade de sucesso no acompanhamento do tratamento, visto que já teria uma proximidade entre os profissionais e os sujeitos. As vantagens desse novo modelo foi a proximidade dos próprios internos e as possibilidades de conhecerem novos espaços e pessoas, além de conseguirem manter um contato com os familiares, podendo ter notícias sobre suas vidas, receber objetos e alimentos como exemplo (AMARANTE, 2007).
A Psiquiatria Preventiva, também conhecida como Saúde Mental Comunitária, teve como marco importante uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 1955. Essa pesquisa, revelou as condições precárias e maus tratos que os pacientes enfrentavam nos hospitais psiquiátricos. O resultado foi a maior preocupação com a redução e prevenção das doenças mentais nas comunidades. A chave desse período foi a tentativa de identificar as doenças precocemente, como uma espécie de ‘busca de suspeitos’, ou melhor, uma triagem que, de acordo com o pensamento dessa época, tentava-se prevenir as desordens. Realmente uma caçada de suspeitos de desordens mentais (AMARANTE, 2007). 
Pautados no postulado da História Natural da Doença, compreendia-se o desenvolvimento do processo saúde-doença com uma linearidade, adotando a prevenção em três níveis. A prevenção primária voltada para as intervenções que podem ocasionar a formação da doença mental, podendo agir no indivíduo ou no meio (ex: vacina e tratamento da água). Já a prevenção secundária preocuparia-se com o diagnóstico precoce e em evitar a prevalência da doença no indivíduo. Prevenção terciária, sendo a última, busca-se a reabilitação do indivíduo à vida social (AMARANTE, 2007). 
            Apresenta-se nessa época a noção de crise, essa entendida com base na noção de ‘adaptação e desadaptação social’. Elas poderiam ser Evolutivas, quando as doenças mentais eram relacionadas a passagem de um período da vida para outra sem uma organização, ao nível físico, emocional ou social. Poderiam ser também Acidentais, suscitadas por perdas ou ricos, tal como desemprego ou falecimento de alguém próximo. Compreendia-se essas crises, como uma oportunidade de transformação e crescimento para o sujeito. Assim, assumia-se um caráter comunitário, as equipes de saúde mental iam nas comunidades, identificaram e trabalhavam em cima dessas crises. Relaciona-se com o surgimento da noção de ‘desinstitucionalização’ nos hospitais, ou seja, diminuir o tempo de permanência dos indivíduos nos hospitais e, para além, evitar sua entrada, sendo utilizado apenas em casos especiais (AMARANTE, 2007). 
            Foram criadas várias oficinas protegidas, centros de saúde mental e outros espaços para substituição dos hospitais. O objetivo era que os hospitais fossem pouco utilizados como já citado, isso por conta das ações preventivas e dos serviços comunitários que diminuiria a demanda. Contudo, houve um aumento nessa demanda psiquiátrica, não só nas atividades extra-hospitalares, mas também nos encaminhamentos e concentração dos doentes mentais nos hospitais. Os novos serviços realizados se tornaram um meio de captar e encaminhar os doentes mentais e não um serviço que, de acordo com a proposta, trataria os indivíduos na comunidade e desqualificaria o espaço hospitalar como único meio de tratamento (AMARANTE, 2007).
Houve assim, diversos pontos positivos na Psiquiatria de Setor, como o tratamento orientado por diversos profissionais e não mais acreditando na onipotência do médico. Assim, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais passaram a integrar esse cuidado, possibilitando a reflexão dos indivíduos como sujeitos para além da ordem biológica. Já na Psiquiatria Preventiva os efeitos positivos concentram-se em seus objetivos revolucionários, embora alguns acreditam que foi mais um meio de medicalização da ordem social, da imposição de normas e princípios sociais (AMARANTE, 2007).

REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Das psiquiatrias reformadas às rupturas com a psiquiatria. In: _____. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2007. p. 37 - 59.


Reforma psiquiátrica: experiência francesa da Psicoterapia Institucional

Na postagem anterior, abordamos sobre Comunidades Terapêuticas e Antipsiquiatria, dois movimentos que se opõem aos métodos asilares e psiquiátricos. Nesta postagem, trataremos sobre a Psicoterapia Institucional, que também foi um movimento oponente à psiquiatria e práticas asilares. Ao fim deste post, esperamos que nosso texto ajude-os a compreender os três conceitos descritos e suas semelhanças e diferenças.
 Daumezon e Koechlin em 1952 definiram o termo Psicoterapia Institucional como o trabalho realizado por François Tosquelles no Hospital Saint-Alban, na França. Tosquelles era refugiado da ditadura do General Franco na Espanha e começou a trabalhar na França em período delicado, por conta da Segunda Guerra Mundial. Em soma à instabilidade econômica e social desse período, tinha-se também os asilos e hospitais psiquiátricos negligentes com seus pacientes. Tosquelles deu início a transformações dentro do Hospital Saint-Alban, que em um primeiro momento de reforma tornou-se um ambiente de resistência ao nazismo e, simultaneamente, inseriu iniciativas de cura e proteção a refugiados. Esse hospital passou a ter visibilidade como exemplo de luta contra tratamentos totalitários e contra segregações promovidas pela psiquiatria. Em meio a essas transformações, Tosquelles faz o uso da terapêutica ativa de Herman Simon (leia sobre ele no post anterior: <https://psicobloggays.blogspot.com/2019/08/a-luta-contra-as-repressoes-da.html>) (AMARANTE, 1998).
Tosquelles tentou restaurar o potencial da psicoterapia dentro da psiquiatria. A função do hospital psiquiátrico era tratar das pessoas com doenças psicológicas e nada além disso. Tosquelles considerava que se os hospitais fossem reformulados e aderissem dedicação à prática da terapia, as pessoas com doenças mentais poderiam ser curadas e devolvidas à sociedade. A Psicoterapia Institucional recebeu essa nomenclatura pela novidade de considerar  doentias as práticas das instituições e por compreender a necessidade de tratamento nos próprios métodos da instituição (AMARANTE, 1998).
A Psicoterapia Institucional objetivou a coletividade entre técnicos e pacientes para refutar as práticas hierárquicas presentes na psiquiatria. O movimento evoluiu e se multiplicou para outros hospitais franceses e com isso a influência de Herman Simon diminuiu (AMARANTE, 1998). Segundo Flerming (1976:45 apud AMARANTE, 1998), o período pós guerra foi marcado pela psicanálise e a Psicoterapia Institucional tentou incorporá-la.
A Psicoterapia Institucional restringe sua crítica à instituição, ignorando fatores sociais. O objetivo em específico era alterar a estruturação hierárquica da psiquiatria, e ignorou a necessidade de alteração metódica da psiquiatria (VERTZMAN et al. 1992:19 apud AMARANTE, 1998).
A partir do que foi redigido, nota-se que os movimentos Comunidades Terapêuticas, Antipsiquiatria e Psicoterapia Institucional tinham o objetivo de crítica à psiquiatria. A Comunidade Terapêutica teve sua eficiência por atrair a preocupação da comunidade. A Psicoterapia Institucional teve semelhanças à Comunidade Terapêutica, como o uso da terapêutica ativa e o objetivo de lutar contra segregação hospitalar, porém sua diferença maior, foi o uso do espaço para denúncias à opressão e resistência ao nazismo. Dentro do contexto da Antipsiquiatria, destaca-se a crítica em relação ao normal e patológico delimitado por médicos e a exclusão de fatores sociais, o que pode ser visto como um ato de segregação social e rotulação individual. Assim, é possível delinear a semelhança de crítica à segregação presente nos hospitais e práticas psiquiátricas. 

REFERENCIAS

AMARANTE, P. coord. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil [online]. In: _______. Revisitando os paradigmas do saber psiquiátrico: tecendo o percurso do movimento da reforma psiquiátrica. 2nd ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. Criança, mulher e saúde collection. ISBN 978-85-7541-335-7. Disponível em SciELO Books .