Questão atual da saúde mental no
Brasil: âmbito carcerário e seus retrocessos
Nesse post, iremos abordar a questão
da saúde mental no sistema prisional brasileiro. Para tal, usaremos como
referência o artigo “Direito à saúde mental no sistema prisional: reflexões
sobre o processo de desinstitucionalização dos HCTP”, escrito por Marden
Marques Soares Filhos e Paula Michele Martins Gomes Bueno e publicado na
revista Ciência e Saúde Coletiva em 2016.
Como já abordamos nas
semanas passadas, os hospitais psiquiátricos já foram ofertados como o único
meio de tratamento para as pessoas com transtornos mentais, sendo segregados,
humilhados e excluídos socialmente. Para além, no campo jurídico, reflete-se
tal implicação. Assim, ainda hoje os sujeitos portadores de transtornos mentais
e em conflito com a lei são esquecidos, afastados de seus familiares,
impossibilitados de serem tratados e de exercerem seus direitos (SOARES FILHO,
BUENO, 2016).
De acordo com o Sistema
de Informações Penitenciárias - INFOPEN (2014 apud SOARES FILHO, BUENO, 2016),
existiam 33 mulheres e 813 homens com deficiência intelectual e 2.497 pessoas
em cumprimento de Medida de Segurança na modalidade de internação psiquiátrica
em 2014. Destes 85% desses em Alas Psiquiátricas ou Hospitais Custódia e
Tratamento Psiquiátrico (HCTP) e 15% em unidades prisionais comuns. O elevado
número apresenta a necessidade de elaboração de estratégias, orçamento e
programas voltados para a intervenção no sistema prisional brasileiro.
A Portaria N° 3.088 de
2011, publicada pelo Ministério da Saúde, que institui a Rede de Atenção
Psicossocial para pessoas portadoras ou em sofrimento decorrente de transtornos
mentais e com necessidades decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas,
pauta-se na estruturação e integração psicossocial. Objetiva-se a criação, em
primeiro momento, de centros de referência para a atenção integral à atenção
primária e saúde da família, tendo direitos diversificados de acordo com a
demanda. Portando, os órgãos da justiça criminal podem pautar-se em tal
portaria para encontrar caminhos que assegure e reconheça o direito das pessoas
portadoras de transtorno mental em conflito com a lei (SOARES FILHO, BUENO,
2016).
São muitas as leis que
referem-se ao tratamento de pessoas em sofrimento mental que estão pelo sistema
prisional, tal como a Lei 7.210/1984, a Lei de Execução Penal, as quais dispõem
sobre a intervenção do SUS na execução penal, levando em consideração a
harmônica integração social. Como também regulariza o destino do HCTP,
destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis. Outrossim, relata a substituição
gradativa do uso desse local por medidas terapêuticas comunitárias, observando
assim, os esforços da luta antimanicomial (SOARES FILHO, BUENO, 2016).
Ao realizar uma análise da execução
penal e as considerações legais sustentadas pelo SUS, é possível observar que a
realidade das pessoas com transtorno mental mantida sob custódia é
caracterizada por
modelo de tratamento determinado pela
legislação criminal e não pela política pública de saúde; desinternação
condicionada à cessação da periculosidade, sendo esta uma rara providência no
sistema de justiça; internações perpétuas, sem indicação clínica para tal e
independente da gravidade do delito; tratamento realizado na esfera da Justiça;
escassa participação da rede pública de saúde/assistência social, com
desresponsabilização da rede de saúde e assistência social na atenção à esta
clientela; cronificação, reforço do estigma e institucionalização dos
pacientes; perda irreversível de vínculos familiares e impossibilidade de
retorno ao meio sociofamiliar; consumo de recursos públicos que deveriam estar
sendo utilizados para financiar os serviços abertos, inclusivos e de base
comunitária (SOARES FILHO, BUENO, 2016, p. 2103).
Em relação às providências a serem
tomadas é preciso levar em consideração os seguintes objetivos
trabalhar, em âmbito estadual, na
reorientação do modelo de atenção, antes predominantemente custodial e
hospitalocêntrico: o lugar de cuidado passa a ser a própria comunidade;
promover a internação do paciente judiciário como último recurso terapêutico e
pelo menor tempo possível; proibir as internações em instituições asilares;
criar serviços substitutivos ao hospital e garantir investimentos maiores na
rede básica de saúde; criar políticas específicas para a desinstitucionalização
e reinserção social dos pacientes longamente internados; melhorar as políticas
intersetoriais para a integralização do cuidado (SOARES FILHO, BUENO, 2016, p.
2103).
É necessária uma ampla
avaliação para identificar os infratores em sofrimento mental. E ainda levar em
consideração que o crime cometido pode não estar diretamente ligado ao
transtorno do indivíduo. Posto isso, Delgado (1992 apud SOARES FILHO, BUENO,
2016) aponta a relevância da discussão do estabelecimento de regras específicas
para punição adequadas dos infratores. A regra que estava em vigor na década de
1990 é que o louco não poderia ser punido por seus crimes, ou seja,
inimputável.
Segundo Mirabete (1987) a internação
é em hospital psiquiátrico (CP, Art. 96, I) e tem caráter detentivo, sendo
exemplo a medida de segurança detentiva imposta a inimputável por enfermidade
mental (CP, Art. 26). Em outros casos, se a pena prevista para o delito não for
a detenção, o autor considerado semi-imputável poderá ser submetido a
tratamento ambulatorial (CP, Art.96, II), cujo caráter é restritivo. O autor
afirma que a medida de segurança possui duas espécies: detentiva e restritiva.
Sendo que a detentiva é a internação em HCTP e representa, a rigor, a fusão de
medidas de segurança previstas na legislação anterior: internação em manicômio
judiciário e em casa de custódia e tratamento. (SOARES FILHO, BUENO,
2016).
No Brasil, o modelo
manicomial judiciário foi substituído por redes extra-hospitalares, como havia
na premissa da Reforma Psiquiátrica Brasileira (Lei 10.216/2001). O modelo
extra-hospitalar conta com equipe multiprofissional, fazendo pontes entre rede
do SUS e o sistema de justiça criminal. O Ministério da Saúde se baseia nesse
modelo e cria uma estratégia nacional em 2014, para que atendessem todos os
indivíduos com transtornos e com problema com a lei. Essa estratégia ficou
conhecida como “serviço de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas
aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei” (SOARES
FILHO, BUENO, 2016).
Baseado nos exposto até aqui por
Soares Filho e Bueno (2016), é possível observar a conservação do modelo
tradicional no tratamento de pessoas portadoras ou em sofrimento mental em
conflito com a lei. Preserva-se a utilização da instituição para segregar,
normatizar, punir e negar a cidadania desses. É necessário desconstruir o
estigma construído tanto para com o louco quanto para o infrator, reconhecendo-o
como um sujeito a ser integrado na luta antimanicomial e na execução das
políticas sociais, mais precisamente, as relacionadas ao SUS. E concordamos com
o posicionamento dos autores perante à saúde mental no sistema prisional.
Para maior conhecimento do assunto,
apresentamos aqui duas notícias referentes à saúde mental dentro do sistema
prisional. A primeira chama-se “Presos com transtornos mentais terão audiências
diferenciadas”, publicada em Minas Gerais no dia 27 de outubro de 2019. A
segunda chama-se “Filho de desembargadora é condenado a 8 anos de prisão por tráfico de
drogas” publicado no Mato Grosso do Sul no dia 31 de outubro de 2019.
REFERÊNCIAS
BRASIL, BRASÍLIA. Lei nº 7.210 de 11 de Julho de
1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:< http://www.
planalto. gov. br/ccivil_03/leis/l7210. htm> Acesso em 01 novem 2019, v.
12, 2014.
BRASIL, Constituição. Lei nº 10.216, de 6 de
abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras
de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental.
Diário Oficial da União, n. s2001, 2001.
BRASIL. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de
2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento
ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e
outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da
União, 2011.
SOARES FILHO, Marden Marques; BUENO, Paula Michele Martins Gomes. Direito
à saúde mental no sistema prisional: reflexões sobre o processo de
desinstitucionalização dos HCTP. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v.
21, n. 7, p. 2101-2110, July 2016 .
Que interessante o assunto escolhido e abordado, amamos!!! O texto está muito bem escrito e trata de forma clara a questão da saúde no sistema prisional... parabens, meninxss <3
ResponderExcluirMuito interessante o tema que vocês escolheram!!! Muito bom o texto, conteúdo está claro e bem estruturado!!!
ResponderExcluirOlá, amamos o post de vocês, inclusive o assunto foi muito bem abordado, até perdoamos vocês terem pego primeiro o artigo que iríamos pegar (hahaha). Brincadeiras a parte, estamos muito ansiosas para a última postagem, pois já recebemos spoilers e sabemos que é um assunto interessantíssimo! Beijinhos (≖ᴗ≖✿)
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