A
patologização da comunidade LGBT
No post anterior trouxemos a resenha de um
artigo sobre a reforma psiquiátrica brasileira. Para concluirmos as publicações
deste ano, hoje trataremos sobre a patologização da vida. A intenção do
seguinte post é articular com o nome do nosso blog “Psicobloggays” e com o tema
LGBT. Portanto o texto que iremos tratar hoje é referente a patologização da
comunidade LGBT, e chama-se “A patologização da diversidade sexual: uma análise
crítica do DSM”, da Rita Alcaire, publicados na revista Ex aequo, ano de 2015.
Em 1952 o Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais I (DSM I) foi publicado, e desde então é
referência para a classificação de doenças mentais. A última versão é o DSM V,
publicado em 2013. Há também a Classificação Internacional de Doenças (CID),
que, diferentemente do DSM, traz descrição de diagnósticos de todas as doenças,
enquanto o DSM é focado apenas em doenças mentais. Como a CID descreve sobre
todas as doenças, há informações congruentes em ambos documentos, porém o DSM
continua sendo o mais utilizado para orientações de diagnósticos de doenças
mentais. Apesar de muito usual, o DSM é alvo de muitas críticas em relação a
lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBTs), visto que há um transtorno
de identidade de gênero, e essa minoria acaba por ser estigmatizada (ALCAIRE,
2015).
O DSM acaba por ter caráter
autoritário, pois traz afirmações do que é ou não normal, portanto são
aplicados rótulos que definem o indivíduo. O documento apenas apresenta a
descrição de sintomas, que acaba desconsiderando o fator histórico do
indivíduo. Ao analisar de forma clínica, o DSM tem grande importância, pois
facilita tratamento e diagnóstico, porém evidencia os padrões sociais, o que
leva à estigmatização (ALCAIRE, 2015).
A remoção e releitura de
determinadas classificações do DSM em relação a homossexualidade, assexualide e
identidade trans envolve diversas lutas de ideologias e elevada complexidade.
As transformações foram e são ainda fomentadas, não só pelos ativistas externos,
mas também pela própria comunidade médica interna que envolvem-se com o
movimento LGBT. Em meio às mudanças ocorridas, houveram lutas históricas que
caracterizam hoje o impacto dos critérios do manual para o entendimento das
orientações sexuais e identidade de gênero.
A homossexualidade foi rotulada como
doença psiquiátrica no século XIX, permanecendo como tal até a década de 1970.
A pressão social para a modificação dessa realidade ocorreu por meio de pressão
política por parte dos ativistas gays, juntamente com figuras importantes, como
representantes religiosos, comunidade médica e governos. Salienta-se o
movimento de Stonewall, ocorrido em julho de 1969 em Nova York. Nesse, houve a
motivação da comunidade para desafiar e agir em diferentes contextos sociais e
culturais da credibilidade científica da homossexualidade como doença mental
(ALCAIRE, 2015).
As atividades fortaleceram-se em
1971 e 1972. As reuniões da APA contavam com a presença de diversos ativistas
que relataram as implicações do diagnóstico em suas vidas. Para além, havia
denúncias quanto a sua nosologia, afirmando que os postulados se davam em ordem
moral e sociais, não propriamente médicas. Assim, realizou-se revisões na
literatura psiquiátrica, psicanalista e sexológica sobre o assunto (ALCAIRE,
2015).
Em
15 de dezembro de 1973, foi aprovado por unanimidade a remoção da
homossexualidade do DSM. Nos anos seguintes, postaram declarações contra as
discriminações. Contudo, as mudanças, de acordo com pesquisas, deram-se em
ordem de apenas remoção do DSM. Os atendimentos de alguns profissionais ainda
apresentam traços da modalidade antiga de tratamento, atuando para adequar os
homossexuais à norma social. Perpetua-se, assim, a discriminação social dos
gays e lésbicas (ALCAIRE, 2015).
De
acordo com Asexual Visibility and Education Network (AVEN, 2014 apud ALCAIRE,
2015), a assexualidade é conceituada como a falta de atração sexual. Em
consonância com a abordagem médica, essa condição é definida como um distúrbio
fisiológico ou psicológico. Em contradição à suposição do desejo sexual ser
universal, se formou uma comunidade virtual nos Estados Unidos. Essa Rede de
Visibilidade e Educação Assexual se tornou a maior comunidade assexual do
mundo.
Anthony Bogaert, um psicólogo
pesquisador do assunto assexualidade, publicou em uma revista conceituada
diversos artigos que visam desmistificar o tema como condição médica. Em
contradição ao pensamento de médicos, Bogaert deu voz a comunidade em questão,
pontuando o Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo (HSDD), como era considerado
a orientação sexual, como diagnóstico errôneo. Estes indivíduos assexuais não
estariam quebrados, nem precisavem de psicoterapia ou medicação (ALCAIRE,
2015).
Em 2008 a EVEN, juntamente com
Bogaert contrariam o HSDD. A definição adotada pelo DSM causava sofrimento
psíquico aos assexuais por não sentirem desejos sexuais, ocorrendo dificuldades
nas relações interpessoais. Tomando cuidado para não invalidar o sofrimento dos
sujeitos com distúrbios sexuais, em maio de 2013 o DSM-5 reclassificou o HSDD.
Atualmente, aparece o Transtorno de Interesse Sexual / Despertar. Nesse, há
distinção entre falta de desejo sexual generalizada por toda vida e a falta
temporária ou específica de desejo (ALCAIRE, 2015).
A identidade de gênero que difere da
classificada ao nascer, atualmente é classificada pelo DSM como disforia de
gênero, desde que cause prejuízo significativo. O conceito foi modificado,
assim como a homossexualidade, por meio de confrontos ocorridos no século XIX.
As argumentações se baseavam na intolerância social frente à diversidade, a
estigmatização e a imposição do que é normal ou não, o que ocasionava em
opressão social aos que não estavam em conformidade. O que se defende é a
liberdade de se autodeterminar como transsexual sem precisar recorrer ao
diagnóstico médico para tal (ALCAIRE, 2015).
A autodeterminação é uma maneira de
reivindicar os direitos da pessoa trans em conseguir intervenção para realizar
modificações em seu corpo para que se adeque ao gênero que esse se identifica.
Como exemplo, no cenário argentino isto é uma realidade. As pessoas podem fazer
alterações em seus corpos como acharem conveniente, sem ser necessário a
aprovação médica. As reivindicações da comunidade trans se dão neste sentido,
odificar a necessidade do diagnóstico e permitir o reconhecimento de várias
identidades trans (ALCAIRE, 2015).
De acordo com o exposto, conclui-se
que embora houve mudanças significativas em relação ao reconhecimento da
homossexualidade e assexualidade como orientações sexuais tão normais quanto a
heterossexual, mudanças são necessárias. A identidade de gênero das pessoas
trans ainda necessitam da ‘aprovação’ da comunidade médica. Para além, o artigo
nos traz evidências da carência de modificações ao nível do imaginário social.
Embora as conquistas são evidentes, as violações, discriminações e falta de
proteção da comunidade LGBT é explícito.
Como indicação de leitura referente
aos materiais CID e DSM atualizados, deixamos esta notícia explicando as
mudanças realizadas no CID 11:
https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/oms-tira-transexualidade-de-nova-versao-de-lista-de-doencas-mentais.shtml
Referência
ALCAIRE,
Rita. A patologização da diversidade sexual: uma análise crítica do DSM. Ex
aequo, n. 32, p. 155-167, 2015.
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