sexta-feira, 22 de novembro de 2019

A patologização da comunidade LGBT

No post anterior trouxemos a resenha de um artigo sobre a reforma psiquiátrica brasileira. Para concluirmos as publicações deste ano, hoje trataremos sobre a patologização da vida. A intenção do seguinte post é articular com o nome do nosso blog “Psicobloggays” e com o tema LGBT. Portanto o texto que iremos tratar hoje é referente a patologização da comunidade LGBT, e chama-se “A patologização da diversidade sexual: uma análise crítica do DSM”, da Rita Alcaire, publicados na revista Ex aequo, ano de 2015.
            Em 1952 o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais I (DSM I) foi publicado, e desde então é referência para a classificação de doenças mentais. A última versão é o DSM V, publicado em 2013. Há também a Classificação Internacional de Doenças (CID), que, diferentemente do DSM, traz descrição de diagnósticos de todas as doenças, enquanto o DSM é focado apenas em doenças mentais. Como a CID descreve sobre todas as doenças, há informações congruentes em ambos documentos, porém o DSM continua sendo o mais utilizado para orientações de diagnósticos de doenças mentais. Apesar de muito usual, o DSM é alvo de muitas críticas em relação a lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros (LGBTs), visto que há um transtorno de identidade de gênero, e essa minoria acaba por ser estigmatizada (ALCAIRE, 2015).
            O DSM acaba por ter caráter autoritário, pois traz afirmações do que é ou não normal, portanto são aplicados rótulos que definem o indivíduo. O documento apenas apresenta a descrição de sintomas, que acaba desconsiderando o fator histórico do indivíduo. Ao analisar de forma clínica, o DSM tem grande importância, pois facilita tratamento e diagnóstico, porém evidencia os padrões sociais, o que leva à estigmatização (ALCAIRE, 2015).
            A remoção e releitura de determinadas classificações do DSM em relação a homossexualidade, assexualide e identidade trans envolve diversas lutas de ideologias e elevada complexidade. As transformações foram e são ainda fomentadas, não só pelos ativistas externos, mas também pela própria comunidade médica interna que envolvem-se com o movimento LGBT. Em meio às mudanças ocorridas, houveram lutas históricas que caracterizam hoje o impacto dos critérios do manual para o entendimento das orientações sexuais e identidade de gênero.
            A homossexualidade foi rotulada como doença psiquiátrica no século XIX, permanecendo como tal até a década de 1970. A pressão social para a modificação dessa realidade ocorreu por meio de pressão política por parte dos ativistas gays, juntamente com figuras importantes, como representantes religiosos, comunidade médica e governos. Salienta-se o movimento de Stonewall, ocorrido em julho de 1969 em Nova York. Nesse, houve a motivação da comunidade para desafiar e agir em diferentes contextos sociais e culturais da credibilidade científica da homossexualidade como doença mental (ALCAIRE, 2015).
            As atividades fortaleceram-se em 1971 e 1972. As reuniões da APA contavam com a presença de diversos ativistas que relataram as implicações do diagnóstico em suas vidas. Para além, havia denúncias quanto a sua nosologia, afirmando que os postulados se davam em ordem moral e sociais, não propriamente médicas. Assim, realizou-se revisões na literatura psiquiátrica, psicanalista e sexológica sobre o assunto (ALCAIRE, 2015).
Em 15 de dezembro de 1973, foi aprovado por unanimidade a remoção da homossexualidade do DSM. Nos anos seguintes, postaram declarações contra as discriminações. Contudo, as mudanças, de acordo com pesquisas, deram-se em ordem de apenas remoção do DSM. Os atendimentos de alguns profissionais ainda apresentam traços da modalidade antiga de tratamento, atuando para adequar os homossexuais à norma social. Perpetua-se, assim, a discriminação social dos gays e lésbicas (ALCAIRE, 2015).
De acordo com Asexual Visibility and Education Network (AVEN, 2014 apud ALCAIRE, 2015), a assexualidade é conceituada como a falta de atração sexual. Em consonância com a abordagem médica, essa condição é definida como um distúrbio fisiológico ou psicológico. Em contradição à suposição do desejo sexual ser universal, se formou uma comunidade virtual nos Estados Unidos. Essa Rede de Visibilidade e Educação Assexual se tornou a maior comunidade assexual do mundo.
            Anthony Bogaert, um psicólogo pesquisador do assunto assexualidade, publicou em uma revista conceituada diversos artigos que visam desmistificar o tema como condição médica. Em contradição ao pensamento de médicos, Bogaert deu voz a comunidade em questão, pontuando o Transtorno de Desejo Sexual Hipoativo (HSDD), como era considerado a orientação sexual, como diagnóstico errôneo. Estes indivíduos assexuais não estariam quebrados, nem precisavem de psicoterapia ou medicação (ALCAIRE, 2015).
            Em 2008 a EVEN, juntamente com Bogaert contrariam o HSDD. A definição adotada pelo DSM causava sofrimento psíquico aos assexuais por não sentirem desejos sexuais, ocorrendo dificuldades nas relações interpessoais. Tomando cuidado para não invalidar o sofrimento dos sujeitos com distúrbios sexuais, em maio de 2013 o DSM-5 reclassificou o HSDD. Atualmente, aparece o Transtorno de Interesse Sexual / Despertar. Nesse, há distinção entre falta de desejo sexual generalizada por toda vida e a falta temporária ou específica de desejo (ALCAIRE, 2015).
            A identidade de gênero que difere da classificada ao nascer, atualmente é classificada pelo DSM como disforia de gênero, desde que cause prejuízo significativo. O conceito foi modificado, assim como a homossexualidade, por meio de confrontos ocorridos no século XIX. As argumentações se baseavam na intolerância social frente à diversidade, a estigmatização e a imposição do que é normal ou não, o que ocasionava em opressão social aos que não estavam em conformidade. O que se defende é a liberdade de se autodeterminar como transsexual sem precisar recorrer ao diagnóstico médico para tal (ALCAIRE, 2015).
            A autodeterminação é uma maneira de reivindicar os direitos da pessoa trans em conseguir intervenção para realizar modificações em seu corpo para que se adeque ao gênero que esse se identifica. Como exemplo, no cenário argentino isto é uma realidade. As pessoas podem fazer alterações em seus corpos como acharem conveniente, sem ser necessário a aprovação médica. As reivindicações da comunidade trans se dão neste sentido, odificar a necessidade do diagnóstico e permitir o reconhecimento de várias identidades trans (ALCAIRE, 2015).
            De acordo com o exposto, conclui-se que embora houve mudanças significativas em relação ao reconhecimento da homossexualidade e assexualidade como orientações sexuais tão normais quanto a heterossexual, mudanças são necessárias. A identidade de gênero das pessoas trans ainda necessitam da ‘aprovação’ da comunidade médica. Para além, o artigo nos traz evidências da carência de modificações ao nível do imaginário social. Embora as conquistas são evidentes, as violações, discriminações e falta de proteção da comunidade LGBT é explícito.
            Como indicação de leitura referente aos materiais CID e DSM atualizados, deixamos esta notícia explicando as mudanças realizadas no CID 11:
 https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2018/06/oms-tira-transexualidade-de-nova-versao-de-lista-de-doencas-mentais.shtml



Referência

ALCAIRE, Rita. A patologização da diversidade sexual: uma análise crítica do DSM. Ex aequo, n. 32, p. 155-167, 2015.

sexta-feira, 1 de novembro de 2019


Questão atual da saúde mental no Brasil: âmbito carcerário e seus retrocessos

Nesse post, iremos abordar a questão da saúde mental no sistema prisional brasileiro. Para tal, usaremos como referência o artigo “Direito à saúde mental no sistema prisional: reflexões sobre o processo de desinstitucionalização dos HCTP”, escrito por Marden Marques Soares Filhos e Paula Michele Martins Gomes Bueno e publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva em 2016.
            Como já abordamos nas semanas passadas, os hospitais psiquiátricos já foram ofertados como o único meio de tratamento para as pessoas com transtornos mentais, sendo segregados, humilhados e excluídos socialmente. Para além, no campo jurídico, reflete-se tal implicação. Assim, ainda hoje os sujeitos portadores de transtornos mentais e em conflito com a lei são esquecidos, afastados de seus familiares, impossibilitados de serem tratados e de exercerem seus direitos (SOARES FILHO, BUENO, 2016).
            De acordo com o Sistema de Informações Penitenciárias - INFOPEN (2014 apud SOARES FILHO, BUENO, 2016), existiam 33 mulheres e 813 homens com deficiência intelectual e 2.497 pessoas em cumprimento de Medida de Segurança na modalidade de internação psiquiátrica em 2014. Destes 85% desses em Alas Psiquiátricas ou Hospitais Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) e 15% em unidades prisionais comuns. O elevado número apresenta a necessidade de elaboração de estratégias, orçamento e programas voltados para a intervenção no sistema prisional brasileiro.
            A Portaria N° 3.088 de 2011, publicada pelo Ministério da Saúde, que institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas portadoras ou em sofrimento decorrente de transtornos mentais e com necessidades decorrente do uso de crack, álcool e outras drogas, pauta-se na estruturação e integração psicossocial. Objetiva-se a criação, em primeiro momento, de centros de referência para a atenção integral à atenção primária e saúde da família, tendo direitos diversificados de acordo com a demanda. Portando, os órgãos da justiça criminal podem pautar-se em tal portaria para encontrar caminhos que assegure e reconheça o direito das pessoas portadoras de transtorno mental em conflito com a lei (SOARES FILHO, BUENO, 2016).
            São muitas as leis que referem-se ao tratamento de pessoas em sofrimento mental que estão pelo sistema prisional, tal como a Lei 7.210/1984, a Lei de Execução Penal, as quais dispõem sobre a intervenção do SUS na execução penal, levando em consideração a harmônica integração social. Como também regulariza o destino do HCTP, destinado aos inimputáveis e semi-imputáveis. Outrossim, relata a substituição gradativa do uso desse local por medidas terapêuticas comunitárias, observando assim, os esforços da luta antimanicomial (SOARES FILHO, BUENO, 2016).
Ao realizar uma análise da execução penal e as considerações legais sustentadas pelo SUS, é possível observar que a realidade das pessoas com transtorno mental mantida sob custódia é caracterizada por 
modelo de tratamento determinado pela legislação criminal e não pela política pública de saúde; desinternação condicionada à cessação da periculosidade, sendo esta uma rara providência no sistema de justiça; internações perpétuas, sem indicação clínica para tal e independente da gravidade do delito; tratamento realizado na esfera da Justiça; escassa participação da rede pública de saúde/assistência social, com desresponsabilização da rede de saúde e assistência social na atenção à esta clientela; cronificação, reforço do estigma e institucionalização dos pacientes; perda irreversível de vínculos familiares e impossibilidade de retorno ao meio sociofamiliar; consumo de recursos públicos que deveriam estar sendo utilizados para financiar os serviços abertos, inclusivos e de base comunitária (SOARES FILHO, BUENO, 2016, p. 2103).

Em relação às providências a serem tomadas é preciso levar em consideração os seguintes objetivos
trabalhar, em âmbito estadual, na reorientação do modelo de atenção, antes predominantemente custodial e hospitalocêntrico: o lugar de cuidado passa a ser a própria comunidade; promover a internação do paciente judiciário como último recurso terapêutico e pelo menor tempo possível; proibir as internações em instituições asilares; criar serviços substitutivos ao hospital e garantir investimentos maiores na rede básica de saúde; criar políticas específicas para a desinstitucionalização e reinserção social dos pacientes longamente internados; melhorar as políticas intersetoriais para a integralização do cuidado (SOARES FILHO, BUENO, 2016, p. 2103).

            É necessária uma ampla avaliação para identificar os infratores em sofrimento mental. E ainda levar em consideração que o crime cometido pode não estar diretamente ligado ao transtorno do indivíduo. Posto isso, Delgado (1992 apud SOARES FILHO, BUENO, 2016) aponta a relevância da discussão do estabelecimento de regras específicas para punição adequadas dos infratores. A regra que estava em vigor na década de 1990 é que o louco não poderia ser punido por seus crimes, ou seja, inimputável.

Segundo Mirabete (1987) a internação é em hospital psiquiátrico (CP, Art. 96, I) e tem caráter detentivo, sendo exemplo a medida de segurança detentiva imposta a inimputável por enfermidade mental (CP, Art. 26). Em outros casos, se a pena prevista para o delito não for a detenção, o autor considerado semi-imputável poderá ser submetido a tratamento ambulatorial (CP, Art.96, II), cujo caráter é restritivo. O autor afirma que a medida de segurança possui duas espécies: detentiva e restritiva. Sendo que a detentiva é a internação em HCTP e representa, a rigor, a fusão de medidas de segurança previstas na legislação anterior: internação em manicômio judiciário e em casa de custódia e tratamento. (SOARES FILHO, BUENO, 2016). 

            No Brasil, o modelo manicomial judiciário foi substituído por redes extra-hospitalares, como havia na premissa da Reforma Psiquiátrica Brasileira (Lei 10.216/2001). O modelo extra-hospitalar conta com equipe multiprofissional, fazendo pontes entre rede do SUS e o sistema de justiça criminal. O Ministério da Saúde se baseia nesse modelo e cria uma estratégia nacional em 2014, para que atendessem todos os indivíduos com transtornos e com problema com a lei. Essa estratégia ficou conhecida como “serviço de avaliação e acompanhamento de medidas terapêuticas aplicáveis à pessoa com transtorno mental em conflito com a lei”  (SOARES FILHO, BUENO, 2016). 
Baseado nos exposto até aqui por Soares Filho e Bueno (2016), é possível observar a conservação do modelo tradicional no tratamento de pessoas portadoras ou em sofrimento mental em conflito com a lei. Preserva-se a utilização da instituição para segregar, normatizar, punir e negar a cidadania desses. É necessário desconstruir o estigma construído tanto para com o louco quanto para o infrator, reconhecendo-o como um sujeito a ser integrado na luta antimanicomial e na execução das políticas sociais, mais precisamente, as relacionadas ao SUS. E concordamos com o posicionamento dos autores perante à saúde mental no sistema prisional.
Para maior conhecimento do assunto, apresentamos aqui duas notícias referentes à saúde mental dentro do sistema prisional. A primeira chama-se “Presos com transtornos mentais terão audiências diferenciadas”, publicada em Minas Gerais no dia 27 de outubro de 2019. A segunda chama-se “Filho de desembargadora é condenado a 8 anos de prisão por tráfico de drogas” publicado no Mato Grosso do Sul no dia 31 de outubro de 2019.


REFERÊNCIAS

BRASIL, BRASÍLIA. Lei nº 7.210 de 11 de Julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em:< http://www. planalto. gov. br/ccivil_03/leis/l7210. htm> Acesso em 01 novem 2019, v. 12, 2014.

BRASIL, Constituição. Lei nº 10.216, de 6 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Diário Oficial da União, n. s2001, 2001.

BRASIL. Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011. Institui a Rede de Atenção Psicossocial para pessoas com sofrimento ou transtorno mental e com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Diário Oficial da União, 2011.

SOARES FILHO, Marden Marques; BUENO, Paula Michele Martins Gomes. Direito à saúde mental no sistema prisional: reflexões sobre o processo de desinstitucionalização dos HCTP. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 21, n. 7, p. 2101-2110, July 2016 . 

sexta-feira, 18 de outubro de 2019


A reforma psiquiátrica brasileira
            Nessa postagem iremos iremos abordar aspectos históricos do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira. Apresentaremos uma linha do tempo com os principais eventos e personagens, identificando suas principais influências e por fim, discorreremos de maneira sintética como é composta a rede de atenção psicossocial. 
O estopim da Reforma Psiquiátrica Brasileira foi a Crise da DINSAM (Divisão Nacional de Saúde Mental). A DINSAM era um órgão responsável por formar políticas de saúde mental. Em abril de 1978, os profissionais de quatro unidades de DINSAM iniciaram uma greve, que gerou demissão de 260 profissionais e estagiários logo em seguida, as unidades em que ocorreu a greve foram: Centro Psiquiátrico Pedro II – CPPII; Hospital Pinel; Colônia Juliano Moreira – CJM; e Manicômio Judiciário Heitor Carrilho (AMARANTE, 1998).
Desde 1956/57 a DINSAM não oferecia concurso público, e em 1974 iniciou contratação de bolsistas, a partir de fundos da Campanha Nacional de Saúde Mental. Os bolsistas eram profissionais ou estudantes universitários, que atuavam como médicos, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais. As condições de trabalho eram precárias e os trabalhadores e pacientes viviam sob ameaças e violências (AMARANTE, 1998).
A crise se iniciou com três médicos bolsistas da unidade CPPII, que denunciaram as condições irregulares do hospital, o que fez com que as informações se tornassem públicas. A denúncia incentivou profissionais de outras unidades a fazerem o mesmo, e as unidades receberam apoio do Movimento de Renovação Médica (REME) e do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (CEBES). O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), também denuncia as condições de trabalho precário e falta de recursos nas unidades, e o trabalho desumanizado se torna destaque na imprensa durante oito meses (AMARANTE, 1998).
O MTSM surgiu com o objetivo de luta não institucional, para a melhoria e transformação da psiquiatria. Como início pauta-se a regularização trabalhista, pois o trabalho de bolsista é ilegal. A regularização viabilizou aumento salarial, diminuição do tempo dos turnos, melhores condições de oferecimento de serviço e trabalho mais humanizado (como por exemplo, remover o tratamento de eletrochoque) (AMARANTE, 1998).
Em outubro de 1978, houve o V Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que ficou conhecido como “Congresso de abertura”. Deu-se esse nome pois os movimentos de saúde mental se encontraram com setores conservadores, a fim de conquistar as mudanças necessárias. O congresso acabou tendo discussões político-ideológicas, já que não foi discutido apenas sobre as precariedades do tratamento de saúde mental, mas também fizeram críticas ao regime político. A crítica ao regime político ocorreu por conta da crise de setor, pois é um reflexo da política brasileira. O sistema de saúde desprezou a privatização de setor por diminuir a participação democrática (AMARANTE, 1998).
            O MTSM seguiu uma linha não institucional, ou seja, não estrutura institucional, que foi algo proposital a fim de resistir a institucionalização. A institucionalização representou a perda de autonomia e burocratização. Desde 1978 foi discutida a possibilidade de institucionalizar o MTSM, para que pudessem ter secretaria, sede, maior renda que geraria agilidade na resolução dos problemas. Porém os apontamentos negativos teriam grandes consequências, visto que era o primeiro movimento de saúde com participação da população. (AMARANTE, 1998).
            No início de 1980 o Ministério da Saúde (MS) e o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS) estabeleceram uma nova forma de convênio, chamado co-gestão. Esse convênio contou com a colaboração do MPAS para custear planejar e avaliar as unidades de hospitais do MS. Dessa forma o MPAS deixou de comprar serviços com caráter de clínica privada do MS, e passa a fazer parte da administração. A co-gestão marcou as políticas de saúde pública, não somente da saúde mental. Um exemplo desse fator é o Estado passar a absorver os setores críticos da saúde mental. O MTSM passar a trabalhar no espaço de instituições públicas, mesmo a co-gestão se restringindo a DINSAM. A co-gestão apresenta um novo modelo de gerenciamento de hospitais públicos, que até então tinham caráter privatizante (AMARANTE, 1998).
            A política de Previdência Social (PS) priorizava a compra de serviços hospitalares, através de convênios e credenciamentos, com a ideia de que dessa forma haveria melhor assistência médica para a população. Porém a consequência foi o aumento de internações e reinternações de doentes mentais, e aumento do Tempo Médio de Permanência Hospitalar (TMPH), o que contraria a Organização Mundial da Saúde (OMS), pois colocou assistência psiquiátrica a nível ambulatorial (AMARANTE, 1998).
            A criação da co-gestão ocorreu em um período que a PS se encontra em crise institucional. A crise não se tratava apenas de financeiro, mas também sobre ética e modelo de saúde. Os investimentos feitos não produziam benefícios satisfatórios, o que gerou críticas sociais. A privatização da assistência à saúde implantada com o PS após o Plano de Pronta Ação (PPA), tem como representante de interesses a Federação Brasileira de Hospitais (FBH). O projeto de privatização foi postulado pela FBH, que tinha intenção de utilizar grande parte dos recursos do Fundo de Apoio Social (FAS) para construção de hospitais privados (AMARANTE, 1998).
            No contexto de crise da PS, com população insatisfatória com assistência médica e sucateamento do serviço público, que surgiu a co-gestão. A primeira unidade em que a co-gestão foi implantada foi o Instituto Nacional de Câncer (INCA). Com esse método, surge a possibilidade de implementação de política de saúde pública. O MS e MPAS estabeleceram metas para a co-gestão. Como, por exemplo, o dever de o atendimento ser universal, independentemente de ser previdenciário ou não. A co-gestão funciona como agilização assistencial e financeira, porém sofre impasses com os atrasos de pagamentos de recursos previstos (AMARANTE, 1998).
            A FBH nota a possibilidade de tornar os hospitais públicos através da co-gestão, e faz críticas em que afirma ser desperdício de dinheiro público, e que os gastos da saúde pública são maiores que os da privada. Suas críticas foram denunciadas como manipuladora de dados. E se obteve a substituição de um sistema privatista para sistema público (AMARANTE, 1998).
            Com a crise financeira da PS, foi criado o Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária (CONASP), ligado ao MPAS. Sua criação foi com intuito de ampliar a experiência com a co-gestão e outras em alguns municípios. O CONASP é formado por um plano geral de saúde previdenciário, e traz a ideia de que é responsabilidade do Estado políticas de sistema de saúde. O Plano CONASP para assistência psiquiátrica é instaurado em 1982, coincidia com diretrizes da OMS, como a descentralização executiva, regionalização, hierarquização dos serviços e fortalecimento da participação do Estado (AMARANTE, 1998).
            A partir de 1985, algumas unidades hospitalares públicas ficam sob condução de fundadores e MTSM. Eles ficaram responsáveis por elaborar novas propostas, para produzir e reproduzir novas ideias. Ordenaram da prática psiquiátrica conservadora a psiquiatria como prática social. A partir disso, ocorre o I Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste, com o intuito de discutir e rever as práticas que estavam sendo exercidas na região sudeste do país (AMARANTE, 1998).
            Antes da realização do I Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste ocorreram encontros estaduais, com participação da Coordenadoria Regional da Campanha Nacional de Saúde Mental (do Ministério da Saúde), secretarias estaduais e municipais de saúde, representante do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS) e das universidades (AMARANTE, 1998).
            Em outubro de 1986 ocorreu o I Encontro Estadual de Saúde Mental no Estado do Rio de Janeiro, no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. O intuito do encontro era abrir discussão para I Conferência Estadual de Saúde Mental, e o evento é debatido na 8ª Conferência Nacional de Saúde, realizada em Brasília. No encontro ocorrem discussões importantes como por exemplo a relação de participação de pacientes e ex pacientes. Em março de 1987 ocorre a I Conferência Estadual de Saúde Mental do Rio de Janeiro, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A conferência é realizada sem o consentimento do MS. A principal discussão era “política nacional de saúde mental na reforma sanitária” (AMARANTE, 1998).
            Em abril de 1987 ocorreu o II Encontro de Coordenadores de Saúde Mental da Região Sudeste. Os temas que foram propostos ao encontro foram: “saúde mental na rede pública: situação atual e avaliação das propostas e desdobramentos do I Encontro de Coordenadores” e “a saúde mental na reforma sanitária”. Ao fim se destaca as conquistas realizadas em consequência ao I Encontro, como a não expansão dos manicômios e a introdução das Comissões Interinstitucionais de Saúde Mental (CISM) (AMARANTE, 1998).
            Em junho de 1987 ocorre a I Conferência Nacional de Saúde Mental, que contou com a presença de 176 delegados. As recomendações da conferência foram: trabalhadores da área de saúde mental devem trabalhar em conjunto com a sociedade civil, necessidade de participação da população e priorizar investimentos em serviços extra-hospitalares (AMARANTE, 1998).
Como vimos nos posts anteriores, os modelos ditos ‘terapêuticos’ pautava-se no sistema biomético, visando a hospitalização e a segregação. Nestes, o sujeito portador de um distúrbio não era considerado como pessoa dotada de razão, vontade e humana. Eram indivíduos a serem vigiados, controlados e disciplinados. Um exemplo desse tratamento, é a história da uma mulher que morreu aprisionada em um hospício por falta de cuidados. Sua existência foi esquecida no local, ou seja, morreu de fome e frio. Somente depois de muito tempo que seu corpo foi encontrado, já petrificado e em posição fetal. Tais acontecimentos evidenciaram a necessidade de superar esse modelo (AMARANTE, 2007).

Estratégias de atuação na Saúde Mental e o Atendimento Psicossocial
Nas semanas anteriores, trabalhamos diversas tentativas e em diversos países de superar o modelo psiquiátrico arcaico. Em alguns, apresentava-se a proposta de reformulação dos serviços ofertados, tentativas de humanizar o espaço hospitalar e até, utilizá-los somente em casos excepcionais. Entretanto, as mudanças foram superficiais e não fugia-se de forma completa das atividades e concepções elaboradas historicamente. Assim, de acordo com Amarante (2007), ultrapassar essas refutações, é necessário pensar o campo de saúde mental e atenção psicossocial como um processo contínuo, nocivo e aberto à mudança, ou melhor, como um processo elaborado socialmente.
A Saúde Mental e Atenção Psicossocial, como uma nova perspectiva elaborou quatro dimensões relevantes na organização desta, a dimensão teórico-conceitual, o técnico-assistencial, a jurídico-política, e o sociocultural.  No teórico-conceitual é tratado da fundamentação do saber psiquiátrico. Diferentemente do que foi elaborado na psiquiatria arcaica que compreendia a ciência como um saber único e universal, atualmente considera-se importante considerar as influências da ordem ideológica, política e ética, para que assim, compreendeu-se a realidade como um construto a ser contextualizado e não como algo natural. Nesta dimensão trabalhou-se na desconstrução e reconstrução de novos conceitos, olhando para o sujeito em foco e sua realidade, diferentemente de colocar a doença, como se ela fosse expressa universalmente igual a todos  (AMARANTE, 2007).
Na dimensão técnico-assistencial é considerado a subjetividade do indivíduo, como relatado no parágrafo anterior. Assim, há a construção de novos serviços e espaços de sociabilidade, olhando para os problemas concretos do sujeito em sua atividade cotidiana, como no ambiente de trabalho, no núcleo familiar e outros. Tal, possibilita a ampliação da integralidade, fugindo de fundar mais espaços de repressão e exclusão  (AMARANTE, 2007).
A terceira dimensão,  sendo ela a jurídico-política, refere-se a busca do reconhecimento do sujeito em sofrimento mental como dotado de direitos civis, políticos e sociais. Nesta, há uma revisão do código penal, civil, demais leis e normas sociais para adequar, assegurar e possibilitar o direito à cidadania, trabalho e ingresso social. A promulgação da Lei 10.2016 em 6 de abril de 2001 foi um importante marco na luta para a proteção, garantia de direitos e no redirecionamento do modelo assistencial em saúde mental. Contudo, a aprovação de leis não garante a efetivação de fato desta, é preciso compreender a cidadania como um processo social, mudar os estigmas e as demais atitudes que orientam as relações sociais (AMARANTE, 2007).
Na dimensão sociocultural, há o entendimento que a sociedade constrói ao longo da história formas de interpretações do mundo, indivíduos e coisas, ou melhor, constroem representações coletivas que dão sentido e orientam seus comportamentos. Como exemplo, se a sociedade acredita que as pessoas com sofrimento mental são perigosas e irracionais, irão construir meios de segregá-las, criarão leis punitivas e iremos construir uma representação social e sentidos sociais de medo. Em contrapartida, se refutamos essa concepção e adotarmos a descrita neste post, podemos desenvolver outra forma da sociedade se relacionar com o tema (AMARANTE, 2007).
Um exemplo de ação relacionada com a dimensão sociocultural é o dia 18 de maio, que foi instaurado como O Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Nele, é realizado atividades culturais, políticas, acadêmicas, esportivas e outras que promovem a discussão e reflexão com a sociedade desses novos aspectos da Saúde Mental e da Atenção Psicossocial. Para além, há também serviços de atenção psicossocial, sendo um modelo que pretende promover o conhecimento e exercício do direito da pessoa, pautado na sua vivência em sociedade (AMARANTE, 2007).
A Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), integrada ao Sistema Único de Saúde (SUS), propõe um modelo de atenção na saúde mental baseado na comunidade, garantindo  a autonomia pelos serviços, pela comunidade e pela cidade. Na atuação, há um foco na atenção à crise. Esta é compreendida como o produto de diversos fatores para além do indivíduo. Considera-se as influências da família, amigos, conhecidos e envolve uma situação de precariedade de recursos que dificultam ou impossibilitam o tratamento dos sujeitos em sua residência. Portanto, faz-se necessários a existência de serviços de atenção psicossocial que realizam o acolhimento e expressão dos sentimentos que os afligem (AMARANTE, 2007).
            Durante a oferta de serviço, é necessário um bom vínculo entre profissional e usuário, sendo preparado academicamente e disposto a ajudá-los, orientá-los e fazer os encaminhamentos pertinentes. Pretende-se lidar com toda uma rede de relações entre os sujeitos e não com a doença descontextualizada. Deve existir uma equipe multiprofissional nos cuidados direcionados aos sujeitos, a fim de compreendendo em sua totalidade. Para além dos profissionais da saúde, existe também a contribuição de outros profissionais, como músicos, artistas artesãos e outros, contribuindo para o desenvolvimento de habilidades. Estas atividades culturais são desenvolvidas na base territorial, promovendo a sociabilidade (AMARANTE, 2007).
No Brasil, pautados nessa forma descrita de lidar com o processo saúde doença, existem diversos campos e espaços. Para atender a demanda de saúde mental existem os hospitais-dia, oficinas terapêuticas e os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Já no campo da saúde em geral, há a Estratégia Saúde da Família, centros de saúde, rede básica, ambulatórios, hospitais gerais, especializados e outros. Os serviços de políticas públicas existe a previdência social, ministério público, delegacias, instituições para idosos, para crianças, igrejas, transporte e vários outros (AMARANTE, 2007).
Um importante atuante do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial é o pesquisador Paulo Amarante. Considerado pioneiro nessa área, até hoje realiza palestras e outros meios de luta na superação do modelo biomédico. Deixamos assim, uma entrevista realizada com ele, na qual relata sua entrada na psiquiatria, suas primeiras atividades e mais sobre as influências sociais na saúde mental. 
            Vamos deixar também como referência a abertura da 8° Conferência Nacional de Saúde, dirigida pelo professor sanitarista Sergio Arouca, que foi um dos principais teóricos e líderes do chamado "movimento sanitarista", que mudou o tratamento da saúde pública no Brasil.
            Colocamos um link a seguir da Lei Nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, “dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências”.

REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Estratégias e Dimensões do Campo da Saúde Mental e Atenção Psicossocial  . In: _____. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2007. p. 61 - 80.
AMARANTE, P. coord. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil [online]. 2nd ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. Criança, mulher e saúde collection. ISBN 978-85-7541-335-7. Available from SciELO Books .




sexta-feira, 27 de setembro de 2019

Reforma Psiquiátrica Democrática Italiana e suas influências.
            Nesse post, iremos apresentar e discutir a perspectiva da Psiquiatria na Itália. Traremos suas características, contextualização histórica, bem como as influências de outras reformas psiquiátricas realizadas em outros locais. Assim, nos aprofundaremos na Psiquiatria Democrática e os fundamentos que impulsionaram o seu desenvolvimento.
            Franco Basaglia, juntamente com Antonio Slavich e outros jovens psiquiatras deram iniciativa a reforma hospitalar psiquiátrica, denominada, Psiquiatria Democrática. Em 1960 que foi iniciado as discussões e aplicações das ideias elaboradas. Mais precisamente em Gorizia, uma pequena cidade da Itália, na qual havia hospitais direcionados a saúde mental. Visitando este local, Basaglia sentiu-se entrando em uma prisão, comparando o espaço aos campos de concentração (AMARANTE, 2007). 
Nesse sentido, caracteriza esse período como contraditório entre o que é verbalizado e o que é aplicado de fato na prática nas instituições. Visto que, esses espaços existiam, embora já houvesse a negação da institucionalização como um modelo válido de tratamento. A doença era individualizada, conceituada fora do social e curada. Para além, a ação terapêutica era executa, mas também negada. Assim, para ele, a própria existência da instituição já seria um meio de controlar os sujeitos, envolvendo um processo de mortificação e des-historicização (AMARANTE, 2007).
Nos primeiros anos, as ações de Basaglia eram baseadas na Comunidade Terapêutica e na Psicoterapia Institucional. Entretanto, nos próximos anos, não compreendia mais esses espaços como um lugar efetivo de tratamento. Entendia que mesmo com novas medidas administrativas ou de humanização não poderia-se chegar a uma cidadania adequada aos doentes mentais, postulando uma nova proposta de mudança e a negação da psiquiatria enquanto ideologia (AMARANTE, 2007).
Suas práticas foram totalmente novas, prezava-se pelo combate não só às instituições manicomiais, mas também todo o conjunto de saberes que orientavam a prática nesses. Os aparatos jurídicos, legislativos e todo o social que fundamentam a isolação e a patologização da diversidade humana também foram atacados. Após a realização das ações direcionadas em Gorizia, ele e grande parte de sua equipe atuou no fechamento de instituições de cunho psiquiátrico em Trieste. Criou-se outros dispositivos de tratamento, ou melhor, deu origem a novas estratégias substitutivas que dariam um fim às instituições psiquiátricas clássicas (AMARANTE, 2007).
Voltando para as diferenças entre Psiquiatria Democrática e a Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia Institucional, o autor pontua que essas duas últimas foram utilizadas por Basaglia, apenas como um meio de desestruturação das atividades manicomiais. Porém, não como uma finalidade a ser cumprida, mas apenas uma parte do processo. Algumas influências desses dois modelos podem ser vistas no que diz respeito às assembleias e demais meios de comunicação entre os pacientes, familiares, técnicos, dentre outros, sendo uma característica da Comunidade Terapêutica. E também na utilização dos Centros de Saúde Mental (CSM), semelhantes a Psicoterapia de Setor de origem francesa. A diferença nessa última, centra-se na integralidade do tratamento, não como um espaço complementar igual na França, mas centros de base territorial com a finalidade de desconstrução dos preconceitos da sociedade para com as pessoas com sofrimento mental (AMARANTE, 2007).
Conclui-se assim, que a proposta italiana foi revolucionária em comparação com as outras propostas apresentadas em posts anteriores. A desinstitucionalização não foi adotada como uma mera desospitalização como na Psiquiatria Preventiva, ela prezava pelo fechamento dessas instituições. Adotou-se uma perspectiva da doença em seu entendimento global, ou seja, compreendendo-a de forma complexa, presente nos corpos e para além, presente no social (AMARANTE, 2007). A Psiquiatria Democrática Italiana foi um movimento político em relação aos métodos manicomiais. O manicômio ressaltou a exclusão advinda das diferenças entre indivíduos, que transpareceu um caráter desumano perante a instituição. Apesar desse fator, a Psiquiatria Democrática Italiana visava mais do que humanizar as práticas manicomiais, mas também possibilitar denúncias aos métodos institucionais utilizados, e impossibilitar a restrição de denúncias. Como início, seria necessário mudar a perspectiva social para com “o louco”, que os colocavam em situações restritas e sem possibilidade de falar sobre si mesmo, mudando também as falas sociais que levavam ao tratamento manicomial. (AMARANTE, 1998)
Deixamos, como complemento aos interessados no assunto, uma dica de filme: “Dá pra Fazer”. Um filme italiano sobre a reforma psiquiátrica, retrata um pouco da história das cooperativas que surgiram na Itália.

REFERÊNCIA

AMARANTE, P. coord. Loucos pela vida: a trajetória da reforma psiquiátrica no Brasil [online]. In: _______. Revisitando os paradigmas do saber psiquiátrico: tecendo o percurso do movimento da reforma psiquiátrica. 2nd ed. Rio de Janeiro: Editora FIOCRUZ, 1998. Criança, mulher e saúde collection. ISBN 978-85-7541-335-7. Disponível em SciELO Books.
AMARANTE, Paulo. Das psiquiatrias reformadas às rupturas com a psiquiatria. In: _____. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2007. p. 37 - 59.


sexta-feira, 13 de setembro de 2019


Reforma psiquiátrica: experiência francesa da Psiquiatria de Setor e da Psiquiatria Preventiva

Hoje trabalharemos em cima de outros dois momentos importantes ao que se refere a luta por melhorias na relação entre os profissionais da saúde e no tratamento das doenças mentais. Trataremos à Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Preventiva, sendo ambas, de acordo com Amarante (2007), caracterizadas por acreditar que o modelo hospitalar, como meio de tratamento estava esgotado, não tendo eficiência. Suas propostas objetivam a criação de outros espaços para tal. A Psiquiatria de Setor e a Psiquiatria Preventiva também são conhecidas como Saúde Mental Comunitária. Nos finais dos anos 1950 e início de 1960, as deficiências oriundas da Psicoterapia Institucional tornou-se evidente, ao modo que notava-se a necessidade de realizar atividades para além das instituições, ou melhor, fora delas.
Psiquiatria de Setor, criou-se os Centros de Saúde Mental (CSM), instalados em diferentes regiões da França e em diversos setores administrativos. Nesses, preocupava-se em acompanhar o sujeito mesmo após a sua alta, a fim de evitar sua reinternação e até, a internação de novos casos. Assim, se subdividiu o espaço hospitalar em diversos setores, sendo que em cada um teria uma equipe de enfermaria responsável e no setor, internaria-se somente indivíduos dessa região. Ao ser efetivado a alta do indivíduo, ele seria acompanhado pelo CSM desse mesmo setor, o que proporciona o trabalho em equipe multiprofissional, aumento na probabilidade de sucesso no acompanhamento do tratamento, visto que já teria uma proximidade entre os profissionais e os sujeitos. As vantagens desse novo modelo foi a proximidade dos próprios internos e as possibilidades de conhecerem novos espaços e pessoas, além de conseguirem manter um contato com os familiares, podendo ter notícias sobre suas vidas, receber objetos e alimentos como exemplo (AMARANTE, 2007).
A Psiquiatria Preventiva, também conhecida como Saúde Mental Comunitária, teve como marco importante uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 1955. Essa pesquisa, revelou as condições precárias e maus tratos que os pacientes enfrentavam nos hospitais psiquiátricos. O resultado foi a maior preocupação com a redução e prevenção das doenças mentais nas comunidades. A chave desse período foi a tentativa de identificar as doenças precocemente, como uma espécie de ‘busca de suspeitos’, ou melhor, uma triagem que, de acordo com o pensamento dessa época, tentava-se prevenir as desordens. Realmente uma caçada de suspeitos de desordens mentais (AMARANTE, 2007). 
Pautados no postulado da História Natural da Doença, compreendia-se o desenvolvimento do processo saúde-doença com uma linearidade, adotando a prevenção em três níveis. A prevenção primária voltada para as intervenções que podem ocasionar a formação da doença mental, podendo agir no indivíduo ou no meio (ex: vacina e tratamento da água). Já a prevenção secundária preocuparia-se com o diagnóstico precoce e em evitar a prevalência da doença no indivíduo. Prevenção terciária, sendo a última, busca-se a reabilitação do indivíduo à vida social (AMARANTE, 2007). 
            Apresenta-se nessa época a noção de crise, essa entendida com base na noção de ‘adaptação e desadaptação social’. Elas poderiam ser Evolutivas, quando as doenças mentais eram relacionadas a passagem de um período da vida para outra sem uma organização, ao nível físico, emocional ou social. Poderiam ser também Acidentais, suscitadas por perdas ou ricos, tal como desemprego ou falecimento de alguém próximo. Compreendia-se essas crises, como uma oportunidade de transformação e crescimento para o sujeito. Assim, assumia-se um caráter comunitário, as equipes de saúde mental iam nas comunidades, identificaram e trabalhavam em cima dessas crises. Relaciona-se com o surgimento da noção de ‘desinstitucionalização’ nos hospitais, ou seja, diminuir o tempo de permanência dos indivíduos nos hospitais e, para além, evitar sua entrada, sendo utilizado apenas em casos especiais (AMARANTE, 2007). 
            Foram criadas várias oficinas protegidas, centros de saúde mental e outros espaços para substituição dos hospitais. O objetivo era que os hospitais fossem pouco utilizados como já citado, isso por conta das ações preventivas e dos serviços comunitários que diminuiria a demanda. Contudo, houve um aumento nessa demanda psiquiátrica, não só nas atividades extra-hospitalares, mas também nos encaminhamentos e concentração dos doentes mentais nos hospitais. Os novos serviços realizados se tornaram um meio de captar e encaminhar os doentes mentais e não um serviço que, de acordo com a proposta, trataria os indivíduos na comunidade e desqualificaria o espaço hospitalar como único meio de tratamento (AMARANTE, 2007).
Houve assim, diversos pontos positivos na Psiquiatria de Setor, como o tratamento orientado por diversos profissionais e não mais acreditando na onipotência do médico. Assim, psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais passaram a integrar esse cuidado, possibilitando a reflexão dos indivíduos como sujeitos para além da ordem biológica. Já na Psiquiatria Preventiva os efeitos positivos concentram-se em seus objetivos revolucionários, embora alguns acreditam que foi mais um meio de medicalização da ordem social, da imposição de normas e princípios sociais (AMARANTE, 2007).

REFERÊNCIAS
AMARANTE, Paulo. Das psiquiatrias reformadas às rupturas com a psiquiatria. In: _____. Saúde mental e atenção psicossocial. 3ª ed. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz. 2007. p. 37 - 59.